sexta-feira, julho 01, 2005

ELA

Este conto eu escrevi no ano passado. É um de meus favoritos.



Eis que estou sentada nesta cadeira, em frente à alva tela do computador. Milhões de partículas de sentimentos perpassam através de meu cérebro. Idéias mil vagam, se formam e deformam antes de concretizar-se em palavras. Vôo rasante entre as estrelas de meu ego ferido. Minhas emoções estão mutiladas e Ela apenas trabalha para alargar ainda mais as minhas chagas.
Ainda ontem jurei a mim mesmo que não mais falaria dela em minhas elucubrações. Mas não posso. Estou dominada por uma idéia obsessiva. E o impulso animal irresistível é sentar aqui e discorrer sobre tudo que aconteceu.
Por quê? Por que estas trevas se apoderam de minh’alma quando penso em todos os dias que passamos juntos? Tudo o que aconteceu?
Eu estava tão bem antes dela aparecer. Tão solitária... tão independente... tão insignificante... tão... sei lá! Nunca realmente soube o que se passava em minha vida. Simplesmente vivia. Nada me interessava de verdade. Nada me prendia. Eu era uma pena ao vento, flutuando numa auto-estrada cujo fim ninguém conhece. Eu era uma solitária, e não precisava de nada, nem ninguém. A compreensão, a amizade, o amor... sempre representaram meras palavras vazias para mim.
Mas de repente tudo mudou. Ela entrou em minha vida como o sol em um amanhecer de verão, iluminando o quarto de minha pobre vida sem valor. Ela era simplesmente o brilho mais radiante que já se havia visto neste planeta. Seu riso cristalino tinha a incrível capacidade de fazer os objetos vibrarem em concordância. Seus olhos... ai, como me enfeitiçavam. Eu seria capaz de ficar dias só olhando para aquele profundo oceano de sonhos.
Eu era o cometa errante e Ela o sol. Com sua atração me deslocou de minha trajetória e me colocou, agrilhoada, a orbitar em seu redor. Nada mais queria eu. Nada mais valia a pena. Nada mais. Apenas estar ao seu lado, respirar o suave odor de outono que pairava em tudo que Ela tocasse. Nada mais era importante.
Grande amiga. Assim Ela me chamava, sem saber como essas palavras doíam. E como doía essa consciência de que, por mais que eu tentasse, nunca deixaria de ser apenas isso para Ela: uma amiga. Eu não queria meramente sua amizade, mas sim que Ela estivesse ao meu lado eternamente. Eu queria tê-la inteiramente só para mim. Queria o mundo a meus pés. E, como o seixo naquela magnífica poesia de William Blake, eu queria o amor a meus pés, subjugado. Não me interessava se Ela gostaria ou não de viver comigo, mas apenas a realização de minha felicidade, mesmo que em detrimento da dela. Sim, eu era egoísta.
E como a fiz sofrer também. Ela percebia o abismo em que eu caía, mas que poderia fazer para me ajudar? O que eu pedia estava fora de seu alcance, pois que Ela já estava comprometida.
Oh, noites de insônia e agonia. Noites sem sono. Dias sem conforto. Vida sem prazer.
Mas um dia Ela se separou de seu noivo. Eles brigaram por um assunto qualquer e ele decidiu que não queria mais ficar com Ela, que já estava cansado. Sim, ele também era egoísta. E nesse dia a luz da esperança brilhou para mim com força redobrada. Finalmente eu pude dormir tranqüila.
Mas Ela ficou arrasada. Entrou em uma espiral de depressão profunda, e foi caindo cada vez mais no precipício. E eu atrás dela. Acorrentado como estava, não podia deixar de segui-la aonde fosse. Caímos juntos no mais profundo abismo. Porém Ela se afastava de mim. Fugia de mim, aterrorizada. Não havia nada que eu pudesse fazer. Ela não queria mais sofrer, não queria mais ser dependente de ninguém, não necessitava de mim. Mas eu necessitava dela cada vez mais. E Ela fugia. E eu corria atrás dela. O sol ficando cada vez mais negro e o frio nos corroendo os ossos.
De repente Ela se resolveu: ia embora da cidade. Conseguiu uma transferência pra Federal e foi estudar na capital. Fiquei só. Duas semanas se passaram desde que isso ocorreu. Duas semanas sem notícias. Duas semanas sem dormir. Duas semanas sem Ela. Duas semanas do mais puro inverno.
Agora estou aqui no meu quarto, me torturando com as lembranças daqueles dias áureos. A verdade é que Ela não pensava em mim como algo mais que amiga. Ela me respeitava por minha coragem de me assumir, assim como às minhas outras amigas, que às vezes visitávamos. Mas nunca teria Ela mesmo disposição de seguir esse caminho. Mas eu... queria tanto beijar aquela boca de lábios suaves e convidativos.
O telefone está tocando agora. Deusa mãe, são as quatro da madrugada. Quem será que está me ligando a esta hora? Não quero atender. E ele continua tocando, tocando... Meu coração se descompassa no compasso do relógio, ruído de fundo que amortece o som da campainha do além...
... atendi...
Era Ela.
Perguntou como eu estava. Falou que vai tudo muito bem lá na capital, e que está adorando ficar por lá.
Eu queria que Ela estivesse aqui. Queria abraçá-la, beijá-la, consolá-la. Deuses da perdição! Como faço para alcança-la? Que posso fazer? Por que não consigo parar de chorar?
Meu teclado está molhado por causa de minhas lágrimas. E continuo derramando palavras através das pontas de meus dedos. Que inútil! Ela não voltará para mim.
Mas Ela me ligou. Isso pode ser um sinal. A esperança (ainda) não deixou de existir. Mas que posso fazer? Quero ir para a capital. Quero esquece-la. Quero matar. Quero morrer. Quero fugir. Tenho que ir trabalhar agora. São as sete da manhã, de mais uma noite insone e insana. Às oito devo estar no escritório senão meu chefe me mata. Vou tomar banho. Amanhã vai ser outra noite. Será que vale a pena salvar tudo isso que eu digitei aqui?

Um comentário:

Anônimo disse...

oi Litlle Lenon!! Que saudades...Adoro a maneira como escreve...Não digo isso para ser simpática ou qualquer coisa do tipo... Digo por que toca a alma, rompendo os fios grossos da insensibilidade humana.......Bjos meu caro e doce amigo!!